Páginas

07 fevereiro 2012

Destinada - Capítulo um.


Aurox.

A carne do humano era macia, suculenta.
Foi uma surpresa o fato de ter sido tão fácil destruí-lo e fazer o seu coração parar de bater.
- Leve-me para o norte de Tulsa. Eu quero sair à noite – ela disse. Foi com essa ordem que a noite deles começou.
- Sim, Deusa – ele respondera instantaneamente, saindo cheio de vida do canto da varanda no topo do prédio no qual ele tinha sido feito.
- Não me chame de Deusa. Chame-me... – ela parecera contemplativa. – Sacerdotisa – seus lábios carnudos, rubros e brilhantes se curvaram em um sorriso. – Acho que é melhor se todo mundo me chamar simplesmente de Sacerdotisa, pelo menos por um breve período.
Aurox cruzou sua mão em punho sobre o peito, fazendo um gesto que ele instintivamente sabia ser de um tempo antigo, embora, de algum modo, achasse aquilo estranho e forçado.
- Sim, Sacerdotisa.
A Sacerdotisa passara rápido por ele, gesticulando imperiosamente para que ele a seguisse.
E ele a seguira.
Ele havia sido criado para segui-la. Para receber suas ordens. Para obedecer aos seus comandos.
Então, entraram em uma coisa que a Sacerdotisa chamara de carro, e o mundo voara. A Sacerdotisa ordenou que ele entendesse o funcionamento daquilo.
Ele observara e aprendera, como ela tinha mandado.
Pararam e saíram do carro.
A rua tinha um cheio de morte, podridão, depravação e imundície.
- Sacerdotisa, este lugar não...
- Proteja-me! – ela respondeu rispidamente. – Mas não seja protetor! Eu sempre vou aonde quero, quando quero e faço exatamente o que quero. É o seu trabalho, ou melhor, o seu propósito, derrotar os meus inimigos. E criar inimigos é o meu destino. Observe. Reaja quando eu ordenar que você me proteja. Isso é tudo o que eu exijo de você.
- Sim, Sacerdotisa – ele disse.
O mundo moderno era um lugar confuso. Tantos sons inconstantes. Tanta coisa que ele não conhecia. Ele faria como a Sacerdotisa ordenara. Ele iria cumprir o propósito para o qual foi criado e...
Um homem deu um passo para a frente, bloqueando o caminho da Sacerdotisa.
- Você é bonita demais para estar aqui neste beco tão tarde só com um garoto para te acompanhar – os olhos dele se arregalaram quando ele viu as tatuagens da Sacerdotisa. – Então, vampira, você deu uma parada aqui para usar esse garoto como um lancinho, é? Que tal você me dar essa bolsa e então eu e você vamos falar como é estar com um homem de verdade, hein?
A Sacerdotisa suspirou e pareceu entediada.
- Você está errado em ambas as suposições: eu não sou simplesmente uma vampira e ele não é um garoto.
- Ei, o que você quer dizer com isso?
A Sacerdotisa ignorou o homem e olhou por sobre o ombro para Aurox.
- Agora você deve me proteger. Mostre-me que tipo de arma eu comando.
Ele a obedeceu sem pestanejar. Aurox se aproximou do homem sem hesitar. Com um movimento rápido, Aurox cravou seus polegares nos olhos arregalados do homem, o que fez a gritaria começar.
O pavor do homem o inundou, alimentando-o. Tão simplesmente quanto respirar, Aurox inalou a dor que ele estava causando. O poder do medo do homem se dilatou dentro dele, latejando quente e frio. Aurox sentiu suas mãos se endurecendo, mudando, tornando-se algo mais. O que eram dedos normais viraram garras. Ele as puxou dos olhos do homem quando o sangue começou a vazar dos ouvidos dele. Com o poder emprestado da dor e do medo, Aurox levantou o homem, e o arremessou com força contra o muro do prédio mais próximo.
O homem berrou de novo.
Que excitação maravilhosa e terrível! Aurox sentiu mais ondulações de transformações pelo seu corpo. Meros pés humanos tornaram-se patas de diabo. Os músculos de suas pernas se engrossaram. Seu peito inchou e rasgou a camiseta que ele estava usando. E o melhor de tudo, Aurox sentiu os chifres grossos e mortais que cresceram na sua testa.
No momento em que três amigos de homem correram para o beco para ajudá-lo, ele tinha parado de gritar.
Aurox deixou o homem na sujeira e se virou para se colocar entre a Sacerdotisa e aqueles que acreditavam que poderiam causar algum mal a ela.
- Que merda é essa? – o primeiro homem chegou correndo e parou de repente.
- Nunca vi nada parecido com isso – disse o segundo homem.
Aurox já estava absorvendo o medo que começava a irradiar deles. Sua pele pulsava com aquele fogo frio.
- Aquilo são chifres? Ah, merda, não! Tô fora! – o terceiro homem se virou e correu por onde tinha vindo. Os outros dois começaram a se afastar devagar, com os olhos arregalados, em choque e olhando fixamente.
Aurox se virou para a Sacerdotisa.
- Qual é a sua ordem? – em alguma parte distante da sua mente, ele ficou surpreso com o som da sua voz, em como ela tinha ficado tão gutural, ao bestial.
- A dor deles deixa você mais forte – a Sacerdotisa pareceu satisfeita. – E diferente, mais feroz – ela olhou para os dois homens em retirada e o seu carnudo lábio superior se levantou em um riso de escárnio. – Não é interessante? Mate-os. 
Aurox se moveu tão rapidamente que o homem mais próximo não teve nenhuma chance de escapar. Ele espetou o peito do homem com seus chifres e o levantou, fazendo ele se debater, berrar e sujar as próprias calças de medo.
Isso deixou Aurox ainda mais poderoso.
Com uma forte sacudida de cabeça, o homem espetado voou para a parede e depois para o chão, encolhido e silencioso, ao lado do primeiro homem.
O outro homem não fugiu. Em vez disso, ele pegou uma faca longa e de aparência perigosa e arremeteu contra Aurox.
Aurox fez uma finta para o lado e então, quando o homem se desequilibrou, ele pisou com força com sua pata sobre o pé dele, rasgando o seu rosto enquanto o homem caía para a frente.
Com a respiração ofegante, Aurox olhou os corpos dos seus inimigos derrotados. Ele se voltou para a Sacerdotisa.
- Muito bem – ela disse sem emoção na voz. – Vamos sair deste lugar antes que as autoridades apareçam.
Aurox a seguiu. Ele andou pesadamente, suas patas escavavam sulcos no beco sujo. Fechou suas garras em punho ao seu lado, enquanto tentava compreender a tempestade emocional que fluía pelo seu corpo, levando com ela o poder que havia alimentado o seu frenesi de combate.
Fraco. Ele se sentia fraco. E mais. Havia algo mais.
- O que é? – ela perguntou de modo ríspido quando ele hesitou antes de entrar no carro de novo.
Ele balançou a cabeça.
- Não sei. Eu me sinto...
Ela gargalhou.
- Você não sente absolutamente nada. Você obviamente está pensando demais nisso. Minha faca não sente. Meu revólver não sente. Você é minha arma; você mata. Lide com isso.
- Sim, Sacerdotisa – Aurox entrou no carro e deixou o mundo ficar para trás em ritmo acelerado. Eu não penso. Eu não sinto. Eu sou uma arma.

- Por que você está parado aqui olhando pra mim? – a Sacerdotisa perguntou a ele, encarando-o com seus gélidos olhos verdes.
- Eu aguardo as suas ordens, Sacerdotisa – ele respondeu automaticamente, pensando em como era possível que ele a tivesse desagradado. Eles tinham acabado de voltar para a cobertura no alto do majestoso edifício chamado Mayo. Aurox havia andado até a varanda e simplesmente ficara ali parado, em silêncio, olhando para a Sacerdotisa.
Ela expirou o ar com força.
- Eu não tenho nenhuma ordem para você neste momento. E você precisa ficar sempre me encarando?
Aurox olhou para longe, focando nas luzes da cidade e em como elas brilhavam de modo atraente contra o céu da noite.
- Eu aguardo suas ordens, Sacerdotisa – ele repetiu.
- Ah, por todos os deuses! Quem iria imaginar que o Receptáculo criado para mim seria tão idiota quanto bonito?
Aurox sentiu a mudança na atmosfera antes que as Trevas se materializassem da fumaça, da sombra e da noite.
- Idiota, bonito e mortal...
A voz ressoou na sua cabeça. O enorme touro branco tomou forma diante dele. Seu hálito era fétido, ainda que doce. Seu olhar era horrível e maravilhoso ao mesmo tempo. Ele era mistério, magia e caos juntos.
Aurox se ajoelhou na frente da criatura.
- Levante-se e vá lá para trás... – ela balançou a mãe, dispensando-o com um gesto em direção às sombras do canto mais distante da varanda.
- Não, prefiro que ele fique. Eu tenho prazer em observar minhas criações.
Aurox não sabia o que dizer. Essa criatura comandava a sua atenção, mas a Sacerdotisa comandava seu corpo.
- Criações? – a Sacerdotisa colocou uma ênfase especial no final da palavra enquanto ela se movia languidamente em direção ao touro corpulento. – Você sempre cria presentes como esse para os seus seguidores?
A risada do touro foi terrível, mas Aurox percebeu que a Sacerdotisa não se sobressaltou nem um pouco – em vez disso, ela parecia ser atraída cada vez mais para perto do animal gigantesco enquanto ele falava.
- Que interessante! Você está mesmo me questionando. Você está com ciúmes, minha cara impiedosa?
A Sacerdotisa acariciou os chifres do touro.
- Tenho motivos para estar?
O touro a acariciou com seu focinho. Onde ele tocou a Sacerdotisa, a seda do vestido dela se enrugou, expondo a carne macia e nua que estava por baixo.
- Diga-me, qual você acha que é o propósito do meu presente a você? – o touro respondeu à pergunta da Sacerdotisa com outra pergunta.
A Sacerdotisa piscou e balançou a cabeça, como se estivesse confusa. Então o olhar dela encontrou Aurox, ainda ajoelhado.
- Meu mestre, o propósito dele é proteção, e eu estou pronta para o que você ordenar para agradecer.
- Eu vou aceitar suas deliciosas oferendas, mas eu devo explicar que Aurox não é só uma arma de proteção. Aurox tem um propósito, que é criar o caos.
A Sacerdotisa inspirou profundamente, em choque.
- Verdade? – ela perguntou com uma voz suave e reverente. – Através dessa única criatura eu posso comandar o caos?
Os olhos brancos do touro pareciam a lua se pondo.
- Verdade. Ele é, de fato, uma única criatura, mas seu poder é vasto. Ele tem a capacidade de deixar o desastre no seu rastro. Ele é o Receptáculo, que é a manifestação dos seus sonhos mais profundos, e eles não são o mais completo e absoluto caos?
- Sim, ah, sim – a Sacerdotisa suspirou as palavras. Ela se inclinou contra o pescoço do touro, acariciando seu dorso.
- Ah, e o que você vai fazer com o caos agora que ele está sob o seu comando? Você vai botar abaixo as cidades dos humanos e governar como rainha vampira?
O sorriso da Sacerdotisa era bonito e horrível.
- Rainha não. Deusa.
- Deusa? Mas já há uma Deusa dos vampiros. Você sabe muito bem disso. Você esteve a serviço dela.
- Você quer dizer Nyx? A Deusa que permite que seus subordinados façam escolhas e tenham vontade própria? A Deusa que não intercede porque acredita com tanta força no mito do livre-arbítrio?
Aurox achou que podia ouvir um sorriso na voz da besta e ficou imaginando como isso era possível.
- Sim, eu me refiro a Nyx, Deusa dos vampiros e da noite. Você usaria o caos para desafiá-la?
- Não. Eu usaria o caos para derrotá-la. E se o caos ameaçar a estrutura do mundo? Nyx não iria intervir e desafiar suas próprias regras para salvar seus filhos? E fazendo isso a Deusa não iria rescindir a sua lei que concede livre-arbítrio aos humanos e trair a si mesma? O que acontecerá então ao seu divino reinado se Nyx mudar o que ele está destinado a ser?
- Eu não posso dizer, já que isso nunca aconteceu antes – o touro bufou como se estivesse se divertindo. Mas é uma questão surpreendentemente interessante, e você sabe o quanto eu gosto de ser surpreendido.
- Eu apenas espero poder continuar a surpreendê-lo muitas e muitas vezes, meu mestre.
- Apenas é uma palavra tão pequena... – o touro disse.
Aurox continuou ajoelhado na varanda muito tempo depois de a Sacerdotisa e o touro terem partido, deixando-o de lado e esquecido. Ele ficou onde havia sido deixado, encarando o céu. 

--

Bom galera, esse foi o primeiro capítulo de Destinada! Meu nome é Talita e eu sou uma das calouras escolhidas pra talvez, futuramente, integrar a equipe do blog HoNBr. Qualquer coisa, podem contar comigo. o/


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sua Opinião é Muito Importante para nós!

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.